quinta-feira, 27 de novembro de 2008

PAR E ÍMPARES

João amava Teresa. Teresa amava Raimundo. Raimundo amava Maria. Maria amava Joaquim. Joaquim amava Lili. Lili amava J. Pinto Fernandes.
J. Pinto Fernandes amava J. Pinto Fernandes.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

O ACIDENTE

No velho três em um, Jean-Luc-Ponty e seus acordes alucinantes. A música o conduzia para bem longe. Sobre a mesa de centro, a taça com o cabernet sauvignon, de que ela não gostara porque o achou muito encorpado. Preferia ser irrigada com um Porto, costumava dizer. Lembrou de como ela, entre um gole e outro, distraída, brincava com o rubro brilhante a bailar dentro da taça, as bolhas, uma a uma, pipocando silenciosamente. O jogo era não deixar desbordar, no máximo permitir que a onda subisse até a borda, caminho de volta em seguida. Com os olhos, ele acompanhava aqueles movimentos, como se deslizasse de um lado a outro, sobre uma pista de skate.

Ponty e seu violino continuavam com a mesma sonoridade, agora na quarta faixa do lado a do vinil.

Estendida sobre a cama, não tinha mais pulsação. Foi até ao laptop, o vinho junto, e começou a dedilhar alguma coisa. O teclado lhe pareceu vazio. Olhou para a taça, o vinho imóvel no fundo, tinha dificuldade de respirar, um pântano de águas turvas. Ainda assim, tomou um gole, o palato reagiu, como se tivesse sido submetido a constantes oscilações de temperatura. Uma gota resvalou para o lado externo da taça, escorregou lentamente, como uma lágrima, por entre os dedos trêmulos.

Ele bem que a avisara, era perigoso, não ia acabar bem. Estavam passando dos limites da razoabilidade. Aquelas experiências bizarras não eram mais simples fantasias. Ela insistiu, não se preocupasse, assumiria o controle, definiria o momento certo de interromper. A gravata era de seda italiana, de fios trançados, adquirida no Freeshop, juntamente com um Jack Daniel. Já a tinha usado para vendá-la, atá-la, chicoteá-la, puxá-la pelo pescoço em sua direção, prendê-la nas grades da cabeceira cama, até aí tudo bem. Quando vendada era divertido (e excitante) estimular sua imaginação. Nem sempre ela acertava com o que, como e onde se daria o desembarque, a invasão, sobretudo quando era conjugada e pela retaguarda. O importante é que eu estou gostando, dizia ela. Além disso, sempre gostei de uma dose dupla, qualquer dia eu quero tripla, pode fazer? Mas dessa vez foi pura loucura. Aperta mais e penetra, tudo ao mesmo tempo, bem fundo, lá na alma. Pareceu-lhe que quanto mais apertava, mais ela sentia prazer e isso também o excitava. Vou parar! Não! A jugular, vai estourar, isso é loucura. É não! Continua, uma delícia, leu pelos movimentos dos lábios, o som já era ininteligível; dentro dos olhos, constelações. Os reflexos comprometidos, afinal foram três garrafas. Tudo muito rápido. Somente parou quando ouviu o grito surdo e curto, seguido de um leve sopro que balançou os pelos do nariz, os olhos calcificados, a língua presa entre os dentes. Que merda, falou para si mesmo.

Ninguém acreditaria na minha versão.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

GENÉSICO

Caudaloso rio fluía das entrepernas, límpido e quente. Quando a nau, tardia, invadiu o porto, o rio enrubesceu-se, e, depois de sons ininteligíveis, o vermelho, em correnteza já tênue, viu-se com bolsões viscosos e embranquecidos.

O capitão, finda a invasão, exausto, mas sentindo-se Deus, imaginou, equivocadamente, ter feito da cidadela uma mulher.