sábado, 24 de janeiro de 2009

VÁRZEA DOS VAGALUMES

Então, na manhã chuvosa, capinaram o mato virgem. O terreno irregular os pés ligeiros atrás da bola o-ajeitariam, alegria alada aquela nas infantes almas que saber íntimo tinham da $ombra sobre o sonho deles, $oturna. Eis
o campo, disseram. E o campinho se-fez. E o-chamaram Várzea dos Vagalumes, por causa das muitas estrelas, naquele instante, no teresinense céu. Isso foi no primeiro dia.

Depois proclamaram Façam-se
as traves. E erguidas ei-las, após fincarem, em cada lado e frente a frente, toras de talos de coco, cada gol com duas retas entre si paralelas, a terceira perpendicular a ambas e que elas amarraram, a suficiente altura. Era, isso, o segundo dia.

Aí decidiram Vamos
marcar o campo. E enfiaram três talos dum lado, três do outro, as linhas de fundo e as laterais e a do meio assim assinaladas. Ao longe, o Poti se derramava no Parnaíba. No terceiro dia, isso.

Noite seguinte se-reuniram para apreciar os luzeiros no firmamento do céu azultigrino de Teresina e o campinho sob os luzeiros no firmamento do céu azultigrino de Teresina. E viram que até sem o Sol podiam, se quisessem, jogar. E acharam bonito demais. Isso era o quarto dia.

Aí soltavam pipas, outros costuraram a bola de meia, aind'outros teciam as redes de embira para nas traves, com cadarços velhos, amarrar. E só suspenderam um pouco o sonho quando ouviram Meninos,
hora já a de dormir, vocês. Elas, também, maravilhadas. No quinto dia, isso.

E quando a bola rolou, em meiga manhã de maio de um domingo, acertado estava que nada de juiz, barreiras, impedimentos. E a torcida dançava e cantava e pulava a cada lance, a cada gol, que eram muitos. E mais feliz ninguém ali podia ser, que tudo mais que gostoso, uma delícia. Era, isso, sexto o dia.

Mas eles chegaram, os homens. Aqui
este terreno tem dono, saibam. Mas
abandonado estava, até agora, sem nem muro. Ora
aqui não é casa da Mãe Joana, não. Mas,
major, só mato aqui, antes. Tem
dono, o terreno. E sem mais dizer derrubaram as traves, e chutaram as sinalizações, e empurraram as mulheres, e esmurraram os homens das mulheres, e tomaram, a cacetadas, as baladeiras todas, e quando os cães adestrados, por algum motivo secreto, se-recusaram a avançar, veio a Polícia Montada que, mesmo os cavalos as patas malequilibradas sobre as petecas multicores de toda parte atiradas eram, defendeu, briosamente, a propriedade. Diz
que de uma Igreja o terreno, sussurrava-se. E nem atentaram os bilinguins que de miúdos olhos as lágrimas, em filetes, desciam, eles apenas curumins pobres que no regaço das mães se-lançaram e se-viram, enfim, (a)colhidos. No sétimo dia, isso.

Mas quando, semana depois, pela Noite parida Manhã outra veio, o baldio terreno nas vagamundanças de Genésio descoberto foi, ele um negrinho entanguido que não raro anda às cambalhotas, mãos no chão, pés no ar. Então, sob chuva intermitente, os meninos capinaram o mato virgem...

sábado, 10 de janeiro de 2009

LENTA AGONIA


Recolhe-se ao quarto, lentamente. Dá duas voltas na fechadura, vai até ao banheiro. Alguns minutos se passam. Quando sai, deixa a torneira da pia aberta.
Arrasta-se até o espelho. Como sempre ocorre, há vários anos, não gosta do que vê. Mas não é exatamente isso o que mais lhe aperta o peito.
De volta, senta-se à beira da cama, põe os chinelos cuidadosamente um ao lado do outro, lê um trecho de um versículo qualquer do Apocalipse.
Minutos antes, ele foi até a janela, abriu um pouco as cortinas, olhou para a lua e percebeu que passava da meia-noite, os galos da madrugada já dormiam; mesmo assim, apurou os ouvidos, e, aliviado, constatou: nenhum canto prenunciando a manhã.
Agora, com um esforço desmedido, entrecerra os olhos. Quer ver o rio tinto cruzar por debaixo da porta antes que a bruma cinzenta se desfaça.