quinta-feira, 7 de julho de 2011

HELENA




Ao contista J. L. Rocha do Nascimento



"Não é por que sei que ela não virá que não vejo a porta já se abrindo"

Meu mundo ficaria completo (com você), por Nando Reis

A princípio, bêbado, o peso do mundo sobre sua cabeça, enquanto na cama, o torpor, e a evocação de Helena. Chamou-a até dormir. E teve a impressão de que ela viera, em sonho. Linda, estava como da última vez que a vira. Pareceu-lhe que reatada a linha do tempo, abruptamente interrompida com o sumiço de Helena. Ou tudo teria sido realidade? Sentia o sabor do batom que Helena costumava usar. O costado da mão convenceu-lhe do sonho.
Então, no dia seguinte, um amigo deu-lhe notícia de Helena. Estava na cidade, para casar com um colombiano de nome Pablo. Disfarçou o desapontamento, dizendo que agora ela cantaria boleros em espanhol impecável. O jornal, atirado pelo amigo, foi duro golpe. Ali estava ela, feliz. Foi para casa, e ouviu La Puerta repetidamente, ignorando brados de vizinhos, impassível, absorto na imagem daqueles olhos felizes e amendoados. E naquele dia não dormiu propositadamente, para sonhar com Helena, que esteve presente com ele a noite toda, revirando a cama e queimando lençóis, e, ao sol parir, aflautando canções de Chico, como costumeiramente fazia nas manhãs, depois de noites báquicas.
Então, escreveu: “Não dormi. Helena também não.”
Não procurou Helena. Nada, nada mesmo, tinha a lhe falar. Disse a si mesmo: estava morta. Evitou os jornais por uns dias. Debruçou-se sobre o projeto pendente, por horas a fio, todos os dias, varando a noite frente ao Autocad. E a vida seguiu seu curso, com mudanças de estações e com Maria, Rosângela, Eliza, Ana, Alice, Sônia, Edna, Lindalva, Carol, Sueli, Jaqueline, Luciana, Luíza, Teresa, Marta e...
Bêbado, em uma noite, lembrou-se de Helena. Evocou-a até adormecer. E Helena veio. Com ela, a chuva. Viram-na lavar a janela, e desenharam desejos no frio do vidro. Da varanda, viram, enublado, o rio, e dele não exalava a fedorentina de sempre. A cidade acordava quando ela foi embora. Viu sua imagem desfazer-se no canto do quarto, com a certeza de que sonhara. Depois, adormeceu com o cheiro de sexo emanando de seu corpo. Acordou pelos toques do telefone. Tarcísio, excitado, perguntou-lhe se já tinha visto o jornal. Não, respondeu. Então, soube que Helena estava na cidade, com o marido e a filha, Maria. Agradeceu ao amigo. Sonolento, mas praguejando por ter sido acordado para uma notícia que já sabia, pegou os jornais. Todos anunciavam a estadia de Helena na cidade. A mãe, doente, interrompera a administração da família em próspero comércio. Brincou com a situação. Disse que lamentava não ter sido poeta romântico, e morrer, depois de contrair a mycobacterium tuberculosis, apaixonado.